O papel dos media digitais na construção da Identidade social dos jovens
Gisela Silva, Jorge Lousada e Maria Cristina Pereira
Docentes: Lúcia Amante e Daniela Melaré Vieira Barros
Maio de 2011
Ao longo deste texto, vamos analisar o papel dos media digitais na construção da Identidade social dos jovens. Para esta breve análise teremos como base o texto 5 de Goldeman, S; Brooker A, & McDermott, M (2008): Mixing the Digital, Social, and Cultural: Learning, Identity, and Agency in Youth Participation.
Como suporte para exemplificar esta análise, é apresentado como referência o trabalho desenvolvido pela organização sediada em Nova Iorque Global Action Project, que apoia os jovens mais afectados pela injustiça a produzirem e a realizarem projectos de media, manifestando as suas expressões culturais, dando poder à voz da juventude e criando as ferramentas necessárias para a intervenção cívica e as mudanças políticas. No texto mencionado, o objetivo é entender como a media digital é usada em relação ao que podemos chamar de tecnologias sociais e culturais, as ferramentas que organizam a participação social, em determinados contextos.
A definição da palavra tecnologia usada no texto, é consistente com a visão de Raymond Williams: Uma tecnologia é, em primeiro lugar, o corpo de conhecimentos adequados para o desenvolvimento de habilidades e aplicações e, em segundo lugar, um corpo de conhecimentos e condições para o uso prático e aplicação de uma
gama de dispositivos. O que importa em cada etapa, é que a tecnologia é sempre, em um sentido pleno, social. E está necessariamente, numa relação complexa e variável com outras relações e instituições sociais.
As tecnologias sociais são ferramentas que organizam atividades sociais. Elas intencionalmente, centram a atenção dos participantes. Um elemento chave das tecnologias sociais é a flexibilidade na forma e no conteúdo. Por exemplo, o brainstorming é uma técnica utilizada amplamente para gerar uma lista de
ideias (e para definir uma área em foco), mas pode ser implementada de várias maneiras, usando várias convenções ajustáveis (por exemplo, estabelecendo um limite de tempo, começando com uma questão de abertura e com qualquer conteúdo). Tecnologias culturais, por outro lado, são instrumentos formais que organizam processos de comunicação em contextos específicos. Elas estruturam a participação em formas padronizadas que são consistentes na forma, mas não necessariamente no conteúdo. A padronização da forma é um elemento chave destas tecnologias, enquanto a flexibilidade do conteúdo permite a apropriação da ferramenta para alcançar resultados imprevistos. Exemplos de tecnologias culturais são determinações legais, a notação padrão na composição musical, e assim por diante.
A noção das ferramentas sociais, culturais e digitais são mutuamente constituintes de experiências de aprendizagem e também encontra apoio nos trabalhos de John Dewey: "É possível isolar…vários tipos e níveis de ferramentas, bem como vários níveis de funções desempenhadas. Planos de ação em seus diversos níveis são ferramentas, tal como é o hardware utilizado na sua realização. A ideia
aqui é que para além do que as formas de arte multimídia e ferramentas de tecnologia permitem, a sua aplicação e impacto na aprendizagem e identidade são mediadas pelas posições sociais e pelo contexto da comunidade que organiza a participação.
Sempre que as pessoas estão envolvidas em atividades com os outros, o potencial de aprendizado está presente.
Mullahey et al. define a participação na sua extensão mais ampla para a comunidade: O trabalho dos jovens que se concentra na aprendizagem e desenvolvimento individual, ao invés de mudar o seu meio circundante, não é participação real - participação não deve apenas dar aos jovens mais
controle sobre suas próprias vidas e experiências, mas também deve conceder-lhes uma influência real sobre as questões que são cruciais para a qualidade de vida e justiça em suas comunidades.
Através de tais experiências, os alunos aprendem a utilizar as tecnologias, mas também aprendem a compreender as relações de poder, a serem críticos sobre os pressupostos, a falar a língua (isto é, para usar o discurso dos sistemas de organização) e, em geral, como fazer as coisas. Nestes ambientes de aprendizagem, identidade e agência estão assim interligadas.
É precisamente na combinação ou mistura das tecnologias sociais, culturais e digitais que residem as possibilidades de aprender a identidade.
A tecnologia faz parte da experiência de vida dos jovens e, com o seu uso, eles aprendem mais sobre responsabilidade, fazendo ouvir as suas opiniões.
A produção e realização de projectos media podem tornar-se meios importantes para os jovens no seu envolvimento com a sociedade. Empenhando-se para a tornar melhor, os jovens podem perceber quem são, no que acreditam e como se relacionam com os outros e com a sociedade, entendidos como um todo.
Muitos projectos focam-se exclusivamente na expressão criativa, no entanto, existem outros projectos que usam ativamente a media como recurso para o envolvimento cívico, ancorando os seus tópicos à realidade quotidiana da comunidade. Deste modo, ajudam a definir uma "voz da juventude" e a promover a participação dos jovens nas estruturas que influenciam e determinam as suas vidas.
Neste contexto, o termo “literacia crítica" ganha força nos meios de comunicação digital, como uma maneira de descrever uma pedagogia que ensina literacias múltiplas em contínua investigação e reflexão. O objetivo é permitir que, através dos media, os jovens saibam "ler", "escrever", e "re-escrever" o mundo, incentivando-os a serem agentes ativos, capazes de moldar as suas próprias identidades, experiências e histórias.
Em conjunto, as tecnologias culturais e digitais tornam-se recursos fundamentais para a participação dos jovens nas estuturas organizacionais e na vida da comunidade, por exemplo, usando o e-mail para incitarem outros jovens a reagirem sobre o conteúdo de um determinado documento, usando uma deliberação para estabelecerem uma recomendação política ou para promoverem uma sondagem na opinião pública sobre uma decisão polémica. Podem igualmente ser apropriados para usos não previstos ou não intencionais, servindo para convocar espontaneamente centenas de pessoas para um determinado local, através de um telemóvel.
É um processo que não surge apenas como resultado do acesso à tecnologia ou à formação para a sua utilização e produção, pois é necessário saber usar esses meios, nomeadamente:
· saber identificar e pensar no que se quer comunicar;
· saber interagir com os adultos, que desempenham um papel importante na orientação e na oferta das possibilidades e dos desafios;
· colaborar com os colegas de novas maneiras;
· ter em conta as características das pessoas com quem se quer comunicar e trocar informações.
O uso diário dos media digitais pelos jovens aproxima o mundo formal do mundo informal, permitindo-lhes afirmar as suas identidades face às políticas que os afectam. No campo escolar, por exemplo, o que inicialmente eram assumidas como formalidades académicas desconhecidas (os regulamentos, as formas de representatividade) tornaram-se conhecimentos comuns, absorvidos pelas práticas quotidianas dos alunos ao serem expostos e discutidos através dos media.
Estes meios permitem desenvolver as suas capacidades de ação, promovendo o debate não presencial, a expressão livre, a pesquisa na web de elementos que apoiem as suas reinvidicações ou facilitando a mobilização das pessoas e a convocação de reuniões.
É nesta combinação de recursos que os jovens participam ativamente e aprendem as suas responsabilidades de cidadania. Cada vez mais os meios do quotidiano se entrelaçam com os meios da aprendizagem formal, no entanto, nem sempre esta combinação resulta bem, porque as pessoas muitas vezes usam os recursos para a diversão e não tornam fácil a conjugação destes dois mundos.
A integração da tecnologia cultural com medias digitais, indica que os alunos desenvolveram um grau de confiança em suas identidades e portanto sentiram-se capazes de renunciar a cooperação do corpo discente.
Os alunos desenvolveram uma identidade coletiva como grupo de estudantes, com direito a serem ouvidos e assim, ultrapassar suas identidades individuais. As tecnologias foram imperativas para a participação cultural e possibilitaram aos alunos legitimidade e o mais importante, abriram oportunidades para influenciar as políticas da escola e tornarem-se agentes ativos.
A juventude com o controle dos chats, mensagens instantâneas, mensagens de texto e reuniões construíram estratégias, prioridades e as implicações de várias ações. Aprendizagem, identidade e agência, foram intimamente ligadas no caso do Conselho Consultivo dos Estudantes .
Sem a sua aprendizagem e experiências, suas identidades representativas tanto individuais como coletiva, não teriam se desenvolvido e sua agência de representantes neste ambiente de decisões políticas não teria sido de forma comprometida.
Os jovens aprenderam essas lições intencionais em ambientes não formais de aprendizagem e acreditamos que, enquanto contexto de aprendizagem, essas configurações oferecem aos jovens oportunidades únicas de combinar resoluções de problemas, relações sociais e tecnologias que envolvem a aprendizagem para o desenvolvimento da identidade de forma contínua.
Cada uma das duas histórias, por si só, é um problema complexo e no conjunto apresentam grandes implicações para os educadores trabalharem com os jovens em uma realidade de tecnologias cada vez mais sofisticadas.
As tecnologias sociais, culturais e digitais estão em constante interação em ambientes de aprendizagem e conectadas na maior parte da comunidade.
Nestes contextos interacionais ainda informais de aprendizagem o desenvolvimento da identidade e da capacidade de agir com agência, estão profundamente ligadas, as combinações das tecnologias e suas práticas associadas, ajudam os jovens adultos a criar algo autêntico em torno de participação e desenvolvimento da identidade com significativa participação na atividade democrática.
As tecnologias digitais, sociais e culturais como ferramentas de passagens de fronteiras que permitem revelar e gerar fontes de alimentação e propriedade entre jovens, adultos e as instituições em que participam.
No caso do segundo grupo configurado, gastaram uma grande parte do tempo procurando facilitar o trabalho com os adultos para explorar suas identidades, suas relações entre si e o que eles tinham em comum, concluindo com uma grande dose de planejamento, projetos de pesquisa, trabalho e produção.
A produção de vídeo colaborativo foi um meio através do qual os jovens desenvolveram a “alfabetização crítica” e reconhecerem o seu próprio potencial de liderança, de orientação e mudança social.
Os adultos encontraram formas de resistir a participação dos alunos, enquanto que os jovens utilizaram os canais de comunicação digital para a organizarem-se de forma a garantir sua participação ativa ao ponto e que fosse direcionada aos jovens na participação cívica. Houve uma certa relutância dos adultos em aceitar a participação dos jovens, plena e livremente envolvidos.
Ambos os casos, são sobre como a combinação de tecnologias sociais, culturais e digitais que trouxeram os jovens para níveis de participação, de surpresa, inspiração que até mesmo ameaçam a autoridade de adultos para apoiar sua participação democrática.
A prática correta de educação com tecnologias pode permitir formas de participação que, conforme Miles Horton, um educador do movimento de lideranças sociais, sejam reconhecidas como verdadeiramente significativas e transformadoras.
Referências:
- Goldman, S.; Booker, A., & McDermott, M. (2008). Mixing the Digital, Social, and Cultural: Learning, Identity, and Agency in Youth Participation. In Youth, Identity, and Digital Media: 185-206.
- Global Action Project: